quarta-feira, 2 de outubro de 2013

JONGO OU CAXAMBU

Por Paulo Dias*

Os escravo num podia comunicá com ninguém, eles num tinha liberdade,né? Então, quando eles entrava na senzala é que eles iam participá um com o outro. Então, no meio eles faziam a roda de Jongo e, ali, cada um cantava o Jongo falando o que queria falá, pela canção. Daí, um entendia o que tinha que sê feito. Às vezes o que se passo no dia, o que ia acontecê. Então, um já avisava o outro. E era por meio de ponto de Jongo que era comunicado as coisa.”


Maria José Martins de Oliveira, a Dona Mazé, jongueira do Bairro Tamandaré, em Guaratinguetá – SP



Nos tempos do cativeiro, o Jongo ou Caxambu era dançado pelos negros que trabalhavam nas plantações de café do Vale do Paraíba, entre São Paulo e Rio, e nas fazendas do sul de Minas Gerais e Espírito Santo. Hoje em dia, a maior parte das comunidades jongueiras vive nas cidades ou em suas periferias. A dança acontece tradicionalmente à noite, celebrando o 13 de maio ou integrando as festividades de algumas datas do catolicismo popular: festas juninas, o Divino Espírito Santo, etc.

Através de imagens metafóricas referidas ao universo rural – animais, plantas, carro de boi – os jongueiros “conversam” entre si, seguindo em alguns casos regras bastante estritas de “alinhamento” (encadeamento) dos pontos, como são chamados os versos cantados no jongo. 

Os jongueiros reconhecem diferentes categorias de pontos: os de louvação destinam-se a saudar entidades espirituais, pessoas vivas ou mortas; os de visaria ou bizarria, “para dançar”, traçam a crônica da comunidade geralmente através da sátira ou marcam determinadas passagens do evento; os de demanda, goromenta ou porfia destinam-se ao desafio entre jongueiros e têm geralmente a forma de enigmas, que devem ser desatados – decifrados – pelos oponentes. Modalidade pouco praticada atualmente, a demanda envolve segredos mágico-poéticos que só alguns conhecem – a mironga, mandinga dos jongueiros cumba, verdadeiros feiticeiros da palavra cujo poder fazia crescer bananeiras nos terreiros no correr de uma noite, segundo relatam os mais velhos. O prestígio de um jongueiro se mede pela sua habilidade em “amarrar” os rivais com a força de seus pontos astuciosamente talhados, bem como pelo seu conhecimento da linguagem cifrada do jongo, que lhe permite “sair” dos pontos propostos pelos outros.

Boa parte dos jongueiros professa hoje a Umbanda, religião que incorporou elementos rituais originários do próprio Jongo e do Candombe mineiro: o culto aos antepassados e a demanda mágica, por exemplo. O ancestral jongueiro, familiar a cada comunidade, convive, nas atuais rodas de Jongo e no Candombe mineiro, com os ancestrais retrabalhados pela Umbanda, de caráter mais genérico, os Pretos-Velhos. Os jongueiros urbanos mostram igualmente uma forte ligação com o mundo do samba. Segundo alguns autores, o desafio improvisado da demanda parece estar na origem do samba de partido-alto.

O Tambu, tambor maior, e o candongueiro, menor, compõem o instrumental do Jongo, juntamente com o chocalho denominado guaiá, inguaiá ou angóia – do bantu ngwaiá – e, em alguns grupos do RJ, a puíta, uma cuíca ancestral de som grave. Na falta dos velhos tambores de tronco oco, utilizam-se tonéis encourados ou mesmo atabaques. Algumas vezes o ponto é precedido por um recitativo lento e monotonal, semelhante ao do Candombe mineiro. Quando deseja parar a dança e cantar novo ponto, o jongueiro coloca a mão sobre os couros e grita Cachuera! – no Caxambu carioca é Machado!. Padrões rítmicos e coreografia adquirem diferentes características, segundo a comunidade, das evoluções de um solista ou par solista ao centro da roda a um simples giro anti-horário dos participantes em torno dos tambores.



*Texto publicado no CD Coleção Documentos Sonoros . Acervo Cachuera!, Vol. 2 - Batuques do Sudeste



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