Por Paulo Dias*
“Os
escravo num podia comunicá com ninguém, eles num tinha
liberdade,né? Então, quando eles entrava na senzala é que eles iam
participá um com o outro. Então, no meio eles faziam a roda de
Jongo e, ali, cada um cantava o Jongo falando o que queria falá,
pela canção. Daí, um entendia o que tinha que sê feito. Às vezes
o que se passo no dia, o que ia acontecê. Então, um já avisava o
outro. E era por meio de ponto de Jongo que era comunicado as
coisa.”
Maria José
Martins de Oliveira, a Dona Mazé, jongueira do Bairro Tamandaré, em
Guaratinguetá – SP
Nos
tempos do cativeiro, o Jongo ou Caxambu era dançado pelos negros que
trabalhavam nas plantações de café do Vale do Paraíba, entre São
Paulo e Rio, e nas fazendas do sul de Minas Gerais e Espírito Santo.
Hoje em dia, a maior parte das comunidades jongueiras vive nas
cidades ou em suas periferias. A dança acontece tradicionalmente à
noite, celebrando o 13 de maio ou integrando as festividades de
algumas datas do catolicismo popular: festas juninas, o Divino
Espírito Santo, etc.
Através de imagens metafóricas
referidas ao universo rural – animais, plantas, carro de boi – os
jongueiros “conversam” entre si, seguindo em alguns casos regras
bastante estritas de “alinhamento” (encadeamento) dos pontos,
como são chamados os versos cantados no jongo.
Os jongueiros
reconhecem diferentes categorias de pontos: os de louvação
destinam-se a saudar entidades espirituais, pessoas vivas ou mortas;
os de visaria ou bizarria, “para dançar”, traçam a crônica da
comunidade geralmente através da sátira ou marcam determinadas
passagens do evento; os de demanda, goromenta ou porfia destinam-se
ao desafio entre jongueiros e têm geralmente a forma de enigmas, que
devem ser desatados – decifrados – pelos oponentes. Modalidade
pouco praticada atualmente, a demanda envolve segredos
mágico-poéticos que só alguns conhecem – a mironga, mandinga dos
jongueiros cumba, verdadeiros feiticeiros da palavra cujo poder fazia
crescer bananeiras nos terreiros no correr de uma noite, segundo
relatam os mais velhos. O prestígio de um jongueiro se mede pela sua
habilidade em “amarrar” os rivais com a força de seus pontos
astuciosamente talhados, bem como pelo seu conhecimento da linguagem
cifrada do jongo, que lhe permite “sair” dos pontos propostos
pelos outros.
Boa parte dos jongueiros professa hoje a
Umbanda, religião que incorporou elementos rituais originários do
próprio Jongo e do Candombe mineiro: o culto aos antepassados e a
demanda mágica, por exemplo. O ancestral jongueiro, familiar a cada
comunidade, convive, nas atuais rodas de Jongo e no Candombe mineiro,
com os ancestrais retrabalhados pela Umbanda, de caráter mais
genérico, os Pretos-Velhos. Os jongueiros urbanos mostram igualmente
uma forte ligação com o mundo do samba. Segundo alguns autores, o
desafio improvisado da demanda parece estar na origem do samba de
partido-alto.
O Tambu, tambor maior, e o candongueiro, menor,
compõem o instrumental do Jongo, juntamente com o chocalho
denominado guaiá, inguaiá ou angóia – do bantu ngwaiá – e, em
alguns grupos do RJ, a puíta, uma cuíca ancestral de som grave. Na
falta dos velhos tambores de tronco oco, utilizam-se tonéis
encourados ou mesmo atabaques. Algumas vezes o ponto é precedido por
um recitativo lento e monotonal, semelhante ao do Candombe mineiro.
Quando deseja parar a dança e cantar novo ponto, o jongueiro coloca
a mão sobre os couros e grita Cachuera! – no Caxambu carioca é
Machado!. Padrões rítmicos e coreografia adquirem diferentes
características, segundo a comunidade, das evoluções de um solista
ou par solista ao centro da roda a um simples giro anti-horário dos
participantes em torno dos tambores.
*Texto publicado no
CD Coleção Documentos Sonoros . Acervo Cachuera!, Vol. 2 -
Batuques do Sudeste
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