domingo, 21 de julho de 2013

OLHARES... ANJO VENDIDO

Anjo Vendido
Anjo encantado - Isac experimentando o Agogô de 4 notas - Foto: Abmael Henrique

Por Michelle Lomba



A mulher, eis o elo da sociedade. A mãe.
Maternidade latente na negra parteira que pari seu filho nesse mundo bandido para sofrer preconceitos e ser tratado pior que um animal.
Ver um negro na rua passando fome, um ser humano abandonado, sem condições nem para morrer com dignidade é normal, natural. Ver um branco, nem pensar um japonês, é uma aberração. Causa estranhamento.
Que ser humano é esse que mata, maltrata, pula, passa por cima de outros seres humanos que afinal estão na rua atrapalhando a passagem. Passagem essa que deve ser limpa e um ser humano / lixo que ocupa a rua como moradia, banheiro, alimentação, relação, é visível e invisível conforme convém.
Que criança é essa que cresce sem alimento, sem educação, sem acompanhamento médico, sem moradia, sem alegria, sem amor, sem ninguém?
Criança que vira/é lixo, luxo, prazer, lucro, mercadoria, palhaçaria e pancadaria.
E a criança que É criança?

Eis a precariedade da sociedade que não cuida de uma criança e que a enxerga como ninguém. 

sábado, 20 de julho de 2013

CORPOS MARCADOS

Por Rose Mara Silva

A Raça - detalhe



Negra













Devaneios noturnos sobre os “corpos marcados” na obra de Suzart


Parto da ideia que sou meu corpo, tudo o que acontece a ele me acontece, tudo o que eu sinto, sinto em meu corpo sinto em mim... Vivo inteira e o que acontece em meu entorno acontece a mim e em mim...

Quando me sinto oprimida, apertada, sufocada no transporte público que considero caríssimo, é muito real e muito literal a sensação de imobilidade que percebo em mim e nos outros corpos oprimidos que me acompanham nessa jornada...

Quando passo por alguns lugares e vejo as condições precárias de vida do local, novamente essa sensação de imobilidade e impotência é real, está em mim... eu corpo pulso numa indignação transbordante que fica implodida nas minhas vísceras...

Quando olho o pagamento que recebo para realizar atividades que mereceriam o triplo do que eu ganho como trabalhadora... Quando faço um trajeto de duas horas para chegar ao trabalho, sabendo que essa distância e o tempo dela seriam encurtados caso o mesmo transporte que me custa caríssimo funcionasse de acordo com o que seria justo dado seu preço... Quando escuto de meus alunos histórias que jamais imaginei que crianças poderiam viver, histórias capazes de desviar a dita sanidade de qualquer um... o peso que me toma inteira é real...

A frustração de tentar cuidar da própria saúde e não conseguir por não haver meios de realizar procedimentos simples... A ideia de que é preciso estar morrendo para ser visto, para ser cuidado... a sensação de aperto no coração que dá quando preciso contar com a “sorte” para não adoecer, pois se adoecer é mais provável que morra se tiver que contar com os serviços públicos que pago através de meus impostos...

Quando sinto o mal trato que o mundo dá a mim e há milhões de outros seres humanos que dividem esse espaço comigo... Eu corpo sofro enrijecimento dos músculos tentando suportar e confrontar todas essas micro-violências cotidianas...

Há quem olhe para desgraças que considera piores que as suas para poder se sentir menos injustiçado, penso que seja um raciocínio equivocado, pois o fato de existirem desgraças piores que a sua não quer dizer que você tenha que se conformar em ser massacrado todo o tempo, ainda que de forma menos grave que a de muitas outras pessoas, mas massacrado... Também não quer dizer que a desgraça vivida por pessoas consideradas mais desafortunadas que você não te afete, que a tristeza delas em alguma escala não chegue também em você, que não te deixe marcas...


As marcas estão presentes nos olhares, nas respirações, nos encontrões que damos pelas ruas, nos corpos caídos que vemos todo o tempo... são marcas profundas e constroem os ombros e costas curvados, a dureza do pescoço, o encurtamento dos músculos, o cansaço que por vezes parece desproporcional se comparado ao que conseguimos realizar... Dia-a-dia endurecemos e buscamos subterfúgios para o nosso desalento em milhares de vícios, mais ou menos aceitáveis socialmente, mais ou menos explícitos, mas todos construímos algum jeito, algum momento de “não-olhar”...o “não-ver” é mais uma marca, a ausência de si não faz as marcas desaparecerem... por vezes até as aprofunda... há muita vida em cada pessoa e tão pouco espaço para vivê-la! A vida apertada, esmagada pelo cotidiano, vira a morte senil que nos ataca enquanto ainda estamos respirando poluição e caminhando cegamente pelas ruas...  

sexta-feira, 12 de julho de 2013

MERCEDES BAPTISTA - ESTÉTICA E HISTÓRIA

Por Rose Mara Silva


Hoje compartilhamos um pouco do material de estudo que dá base a construção cênica do trabalho em curso. No universo de pesquisa da arte relacionada ao universo afro-brasileiro essa ação é praticamente uma necessidade, uma vez que ainda há muita resistência no meio acadêmico quando se trata de pesquisar, produzir e trazer ao conhecimento do público a riqueza e complexidade da arte negra brasileira, que em sua maioria das vezes é estereotipada como atividade puramente instintiva que não merece um estudo aprofundado.

O documentário comprtilhado trata da história de Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, é considerada a principal precursora da dança afro-brasileira. Bailarina de formação erudita, e a partir da criação de seu grupo, no início da década de 1950, volta-se para o estudo dos movimentos ritualísticos do candomblé e das danças folclóricas. Suas criações coreográficas permanecem até hoje identificadas como repertório gestual da dança afro.

Mercedes Ignácia da Silva Krieger, nasceu em 1921 no município de Campos dos Goytacazes no Rio de Janeiro, filha de João Baptista Ribeiro e Maria Ignácia da Silva, uma família humilde que vivia do trabalho de sua mãe, que era costureira. Ainda jovem, mudou-se para a cidade do Rio, exercendo diversas atividades profissionais. Trabalhou em uma gráfica, em fábrica de chapéus e foi empregada doméstica. Trabalhou, também, em uma bilheteria de cinema, quando podia assistia aos filmes, neste período acalentava o sonho dos palcos. Mobilizada por realizar seu sonho, começou a dedicar-se a dança.

Mercedes Baptista foi iniciada no balé clássico e na dança folclórica, pela grande Eros Volúsia (bailarina que abrilhantou o Brasil através de suas coreografias inspiradas na cultura brasileira). Durante o Estado Novo a política cultural do ministro Gustavo Capanema valorizava a busca de uma arte brasileira. O Brasil se transformava: órgãos públicos eram especialmente criados para o fomento à cultura nacional, o Estado se aparelhava para intervir na cultura. Era o caso do Serviço Nacional do Teatro (SNT), criado expressamente para o fomento das artes cênicas nacionais e que também abrigava uma escola de dança dirigida por Eros, a primeira escola de dança freqüentada por Mercedes Baptista.

Na década de 1940 ingressou na Escola de Danças do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo a oportunidade de estudar com Maria Olenewa, Yuco Lindberg e Vaslav Veltchek. No ano de 1947 torna-se a primeira mulher negra a ingressar como bailarina profissional no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. E Embora fizesse parte do corpo de Baile do Teatro, teve poucas chances de atuar, pois poucas vezes foi escalada para as apresentações. Em entrevistas e bibliografias sobre a artista, ela declara ter sofrido preconceito.

No mesmo período conhece Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro¹, do que pretendia abrir espaço para o negro no teatro moderno, já que até então ele estivera relegado a papeis secundários, de empregados serviçais, ou de meros tipos populares, malandro, mulata faceira, baiana, etc, passando a acompanhar seus ideais. Mercedes participou de diversos eventos promovidos pelo TEN, sendo, em 1948, eleita a Rainha das Mulatas. No ano de 1950, tornou-se membro do Conselho de Mulheres Negras.

Em meados da década de 1950 foi escolhida pela coreógrafa, antropóloga e militante afro-americana Katherine Dunham para estudar dança nos Estados Unidos junto à sua companhia, Mercedes se licencia temporariamente do Teatro Municipal e viaja para Nova York onde passa aproximadamente um ano e meio, tendo aulas de dança moderna, danças do Haiti e participou do processo de luta pela valorização racial que era a especialidade de Katherine, além de lecionar balé clássico para o grupo de bailarinos.

De volta ao Brasil, no fim de 1951, no Rio de Janeiro, funda o Ballet Folclórico Mercedes Baptista Grupo formado por bailarinos negros que desenvolviam pesquisas e divulgava a cultura negra e afro-brasileiras, introduzindo elementos afro na dança moderna brasileira. O grupo ganhou notoriedade e respeito, apresentaram-se na Europa e vários países da América do Sul.

Desbravadora, em 1963, junto aos carnavalescos Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona, introduziu, a dança clássica no desfile da G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro, do Rio de Janeiro. Mercedes Baptista foi a coreógrafa da Comissão de Frente, que dançou o minueto, num cenário composto com a igreja da Candelária ao fundo. O Salgueiro ganhou o carnaval, com um desfile que se tornou referência, influenciando e mudando o rumo dos desfiles das escolas de samba, pois foi ela quem idealizou as apresentações das escolas com alas coreografadas. Essa novidade trouxe notoriedade pública e Mercedes ainda coreografou para cinema, televisão e teatro.

Ministrou diversos cursos fora do Brasil - Nova York e Califórnia. Influenciou a dança em outros países, mais também teve consistência e prestígio para introduzir na Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro a disciplina dança afro-brasileira.

No ano de 2005 recebeu uma homenagem através da exposição “Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança”, com curadoria de Paulo Melgaço e Jandira Lima. Em 2006 é lançado um documentário sobre sua trajetória, intitulado, Balé de Pé no Chão - A dança afro de Mercedes Baptista (que disponibilizo aqui) dirigido por Lílian Sola Santiago e Marianna Monteiro. E em desdobramento a exposição, foi lançado em 2007 o livro Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança, de autoria de Paulo Melgaço, publicado pela Fundação Cultural Palmares.

Também recebeu, em 2008 homenagem da G.R.E.S Acadêmicos do Cubango (grupo de acesso das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), sendo o tema do enredo, considerado um dos sambas mais bonitos daquele ano. No ano seguinte a G.R.E.S Vila Isabel, escolheu por tema o centenário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e por ser Mercedes Baptista uma figura emblemática da dança nacional e referência obrigatória no Teatro recebeu merecida homenagem.

Hoje aos 90 anos, é aposentada pelo Teatro Municipal, não leciona mais, e vive no Rio de Janeiro.

Além de ter sido uma excelente bailarina, seu principal legado é a valorização das culturas de matrizes africanas e a introdução de elementos da dança afro à dança moderna brasileira, e, sobretudo um exemplo de superação para os negros.


Axé!



quinta-feira, 11 de julho de 2013

...NOVOS RUMOS...

G.R.C Escola de Samba Só vou se você for

                                    Por Rose Mara Silva


Caros leitores, estamos na ativa a algumas semana já, mas apenas hoje foi possível colocar aqui um breve relato do que tem se passado com nosso projeto... Na realidade foram muitos acontecimentos que necessitam postagens específicas para serem expressos, mas por hora deixo um breve relato com a promessa/dívida de destrinchar alguns dos fatos nas próximas postagens...

Ensaio 7/7 - Foto: Abmael Henrique
Iniciamos nosso projeto com uma visita às lideranças comunitárias de Taipas e região para aprofundarmos as questões de abrangência das ações, além de nos atualizarmos sobre as demandas locais, uma vez que nossa parceria com o Instituto Viva Taipas já nos proporcionou muitas informações, mas ainda assim a visita nos colocou a realidade local de maneira bem palpável. Antes desta visita tínhamos como proposta de ação efetiva em Taipas apenas as oficinas de dança, música e grafitti, mais a apresentação do espetáculo, o processo de treinamento artístico e construção do espetáculo se daria na Saúde onde dispúnhamos de um espaço físico. No entanto, após visitarmos as lideranças de Taipas, repensamos nossas ações buscando adaptá-las as necessidades locais e deixá-las mais abrangentes também, pois a região carece muito de ações culturais. Assim, ampliamos nossas parcerias e passamos a contar com o espaço físico da G.R.C. Escola de Samba Só vou se você for para ensaios e demais eventos do projeto.

Há três semanas estamos passando nossos domingos em Taipas ensaiando na Escola de Samba de portas abertas, a comunidade já tem percebido o movimento e começa a se envolver nas ações, no último ensaio tivemos a visita ilustre de crianças curiosas que passeavam pela rua e prometeram acompanhar bem de perto nossa trajetória.

 Ensaio 30/06 - Foto: Moça que passeava com seu cachorro
No tocante a questões artísticas do projeto também tivemos algumas transformações, primeiro porque nos propusemos a olhar mais de perto a obra de Suzart, e as observações nos tem trazido muitas questões corporais e cênicas, entre elas o aprofundamento do estudo sobre as manifestações brasileira de origem negra em suas particularidades estéticas e técnicas, segundo porque estar em Taipas todo final de semana ocupando a escola de samba que possui uma carga simbólica considerável para a população local também nos traz a possibilidade de uma construção cênica que realmente dialogue com o local, e terceiro a população local tem se mostrado bastante disposta em se envolver nas ações do projeto, o que pode nos trazer um material dramatúrgico muito rico.

Ensaio 7/7
Por hora o que consigo sintetizar para relato são essas ideias e nos próximos dias desenvolverei algumas das questões expostas aqui, como por exemplo a reflexão sobre a intensa visita aos líderes comunitários.





Axé!