Por Rose Mara Silva
Parto da ideia que sou
meu corpo, tudo o que acontece a ele me acontece, tudo o que eu
sinto, sinto em meu corpo sinto em mim... Vivo inteira e o que
acontece em meu entorno acontece a mim e em mim...
Quando me sinto
oprimida, apertada, sufocada no transporte público que considero
caríssimo, é muito real e muito literal a sensação de imobilidade
que percebo em mim e nos outros corpos oprimidos que me acompanham
nessa jornada...
Quando passo por alguns
lugares e vejo as condições precárias de vida do local, novamente
essa sensação de imobilidade e impotência é real, está em mim...
eu corpo pulso numa indignação transbordante que fica implodida nas
minhas vísceras...
Quando olho o pagamento
que recebo para realizar atividades que mereceriam o triplo do que eu
ganho como trabalhadora... Quando faço um trajeto de duas horas para
chegar ao trabalho, sabendo que essa distância e o tempo dela seriam
encurtados caso o mesmo transporte que me custa caríssimo funcionasse de
acordo com o que seria justo dado seu preço... Quando escuto de meus
alunos histórias que jamais imaginei que crianças poderiam viver,
histórias capazes de desviar a dita sanidade de qualquer um... o
peso que me toma inteira é real...
A frustração de
tentar cuidar da própria saúde e não conseguir por não haver
meios de realizar procedimentos simples... A ideia de que é preciso
estar morrendo para ser visto, para ser cuidado... a sensação de
aperto no coração que dá quando preciso contar com a “sorte”
para não adoecer, pois se adoecer é mais provável que morra se
tiver que contar com os serviços públicos que pago através de meus
impostos...
Quando sinto o mal
trato que o mundo dá a mim e há milhões de outros seres humanos
que dividem esse espaço comigo... Eu corpo sofro enrijecimento dos
músculos tentando suportar e confrontar todas essas micro-violências
cotidianas...
Há quem olhe para
desgraças que considera piores que as suas para poder se sentir
menos injustiçado, penso que seja um raciocínio equivocado, pois o
fato de existirem desgraças piores que a sua não quer dizer que
você tenha que se conformar em ser massacrado todo o tempo, ainda que
de forma menos grave que a de muitas outras pessoas, mas
massacrado... Também não quer dizer que a desgraça vivida por
pessoas consideradas mais desafortunadas que você não te afete, que
a tristeza delas em alguma escala não chegue também em você, que
não te deixe marcas...
As marcas estão
presentes nos olhares, nas respirações, nos encontrões que damos
pelas ruas, nos corpos caídos que vemos todo o tempo... são marcas
profundas e constroem os ombros e costas curvados, a dureza do
pescoço, o encurtamento dos músculos, o cansaço que por vezes
parece desproporcional se comparado ao que conseguimos realizar...
Dia-a-dia endurecemos e buscamos subterfúgios para o nosso
desalento em milhares de vícios, mais ou menos aceitáveis
socialmente, mais ou menos explícitos, mas todos construímos algum
jeito, algum momento de “não-olhar”...o “não-ver” é mais
uma marca, a ausência de si não faz as marcas desaparecerem... por
vezes até as aprofunda... há muita vida em cada pessoa e tão pouco
espaço para vivê-la! A vida apertada, esmagada pelo cotidiano, vira
a morte senil que nos ataca enquanto ainda estamos respirando
poluição e caminhando cegamente pelas ruas...
Nenhum comentário:
Postar um comentário