sábado, 20 de julho de 2013

CORPOS MARCADOS

Por Rose Mara Silva

A Raça - detalhe



Negra













Devaneios noturnos sobre os “corpos marcados” na obra de Suzart


Parto da ideia que sou meu corpo, tudo o que acontece a ele me acontece, tudo o que eu sinto, sinto em meu corpo sinto em mim... Vivo inteira e o que acontece em meu entorno acontece a mim e em mim...

Quando me sinto oprimida, apertada, sufocada no transporte público que considero caríssimo, é muito real e muito literal a sensação de imobilidade que percebo em mim e nos outros corpos oprimidos que me acompanham nessa jornada...

Quando passo por alguns lugares e vejo as condições precárias de vida do local, novamente essa sensação de imobilidade e impotência é real, está em mim... eu corpo pulso numa indignação transbordante que fica implodida nas minhas vísceras...

Quando olho o pagamento que recebo para realizar atividades que mereceriam o triplo do que eu ganho como trabalhadora... Quando faço um trajeto de duas horas para chegar ao trabalho, sabendo que essa distância e o tempo dela seriam encurtados caso o mesmo transporte que me custa caríssimo funcionasse de acordo com o que seria justo dado seu preço... Quando escuto de meus alunos histórias que jamais imaginei que crianças poderiam viver, histórias capazes de desviar a dita sanidade de qualquer um... o peso que me toma inteira é real...

A frustração de tentar cuidar da própria saúde e não conseguir por não haver meios de realizar procedimentos simples... A ideia de que é preciso estar morrendo para ser visto, para ser cuidado... a sensação de aperto no coração que dá quando preciso contar com a “sorte” para não adoecer, pois se adoecer é mais provável que morra se tiver que contar com os serviços públicos que pago através de meus impostos...

Quando sinto o mal trato que o mundo dá a mim e há milhões de outros seres humanos que dividem esse espaço comigo... Eu corpo sofro enrijecimento dos músculos tentando suportar e confrontar todas essas micro-violências cotidianas...

Há quem olhe para desgraças que considera piores que as suas para poder se sentir menos injustiçado, penso que seja um raciocínio equivocado, pois o fato de existirem desgraças piores que a sua não quer dizer que você tenha que se conformar em ser massacrado todo o tempo, ainda que de forma menos grave que a de muitas outras pessoas, mas massacrado... Também não quer dizer que a desgraça vivida por pessoas consideradas mais desafortunadas que você não te afete, que a tristeza delas em alguma escala não chegue também em você, que não te deixe marcas...


As marcas estão presentes nos olhares, nas respirações, nos encontrões que damos pelas ruas, nos corpos caídos que vemos todo o tempo... são marcas profundas e constroem os ombros e costas curvados, a dureza do pescoço, o encurtamento dos músculos, o cansaço que por vezes parece desproporcional se comparado ao que conseguimos realizar... Dia-a-dia endurecemos e buscamos subterfúgios para o nosso desalento em milhares de vícios, mais ou menos aceitáveis socialmente, mais ou menos explícitos, mas todos construímos algum jeito, algum momento de “não-olhar”...o “não-ver” é mais uma marca, a ausência de si não faz as marcas desaparecerem... por vezes até as aprofunda... há muita vida em cada pessoa e tão pouco espaço para vivê-la! A vida apertada, esmagada pelo cotidiano, vira a morte senil que nos ataca enquanto ainda estamos respirando poluição e caminhando cegamente pelas ruas...  

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