sexta-feira, 12 de julho de 2013

MERCEDES BAPTISTA - ESTÉTICA E HISTÓRIA

Por Rose Mara Silva


Hoje compartilhamos um pouco do material de estudo que dá base a construção cênica do trabalho em curso. No universo de pesquisa da arte relacionada ao universo afro-brasileiro essa ação é praticamente uma necessidade, uma vez que ainda há muita resistência no meio acadêmico quando se trata de pesquisar, produzir e trazer ao conhecimento do público a riqueza e complexidade da arte negra brasileira, que em sua maioria das vezes é estereotipada como atividade puramente instintiva que não merece um estudo aprofundado.

O documentário comprtilhado trata da história de Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, é considerada a principal precursora da dança afro-brasileira. Bailarina de formação erudita, e a partir da criação de seu grupo, no início da década de 1950, volta-se para o estudo dos movimentos ritualísticos do candomblé e das danças folclóricas. Suas criações coreográficas permanecem até hoje identificadas como repertório gestual da dança afro.

Mercedes Ignácia da Silva Krieger, nasceu em 1921 no município de Campos dos Goytacazes no Rio de Janeiro, filha de João Baptista Ribeiro e Maria Ignácia da Silva, uma família humilde que vivia do trabalho de sua mãe, que era costureira. Ainda jovem, mudou-se para a cidade do Rio, exercendo diversas atividades profissionais. Trabalhou em uma gráfica, em fábrica de chapéus e foi empregada doméstica. Trabalhou, também, em uma bilheteria de cinema, quando podia assistia aos filmes, neste período acalentava o sonho dos palcos. Mobilizada por realizar seu sonho, começou a dedicar-se a dança.

Mercedes Baptista foi iniciada no balé clássico e na dança folclórica, pela grande Eros Volúsia (bailarina que abrilhantou o Brasil através de suas coreografias inspiradas na cultura brasileira). Durante o Estado Novo a política cultural do ministro Gustavo Capanema valorizava a busca de uma arte brasileira. O Brasil se transformava: órgãos públicos eram especialmente criados para o fomento à cultura nacional, o Estado se aparelhava para intervir na cultura. Era o caso do Serviço Nacional do Teatro (SNT), criado expressamente para o fomento das artes cênicas nacionais e que também abrigava uma escola de dança dirigida por Eros, a primeira escola de dança freqüentada por Mercedes Baptista.

Na década de 1940 ingressou na Escola de Danças do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo a oportunidade de estudar com Maria Olenewa, Yuco Lindberg e Vaslav Veltchek. No ano de 1947 torna-se a primeira mulher negra a ingressar como bailarina profissional no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. E Embora fizesse parte do corpo de Baile do Teatro, teve poucas chances de atuar, pois poucas vezes foi escalada para as apresentações. Em entrevistas e bibliografias sobre a artista, ela declara ter sofrido preconceito.

No mesmo período conhece Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro¹, do que pretendia abrir espaço para o negro no teatro moderno, já que até então ele estivera relegado a papeis secundários, de empregados serviçais, ou de meros tipos populares, malandro, mulata faceira, baiana, etc, passando a acompanhar seus ideais. Mercedes participou de diversos eventos promovidos pelo TEN, sendo, em 1948, eleita a Rainha das Mulatas. No ano de 1950, tornou-se membro do Conselho de Mulheres Negras.

Em meados da década de 1950 foi escolhida pela coreógrafa, antropóloga e militante afro-americana Katherine Dunham para estudar dança nos Estados Unidos junto à sua companhia, Mercedes se licencia temporariamente do Teatro Municipal e viaja para Nova York onde passa aproximadamente um ano e meio, tendo aulas de dança moderna, danças do Haiti e participou do processo de luta pela valorização racial que era a especialidade de Katherine, além de lecionar balé clássico para o grupo de bailarinos.

De volta ao Brasil, no fim de 1951, no Rio de Janeiro, funda o Ballet Folclórico Mercedes Baptista Grupo formado por bailarinos negros que desenvolviam pesquisas e divulgava a cultura negra e afro-brasileiras, introduzindo elementos afro na dança moderna brasileira. O grupo ganhou notoriedade e respeito, apresentaram-se na Europa e vários países da América do Sul.

Desbravadora, em 1963, junto aos carnavalescos Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona, introduziu, a dança clássica no desfile da G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro, do Rio de Janeiro. Mercedes Baptista foi a coreógrafa da Comissão de Frente, que dançou o minueto, num cenário composto com a igreja da Candelária ao fundo. O Salgueiro ganhou o carnaval, com um desfile que se tornou referência, influenciando e mudando o rumo dos desfiles das escolas de samba, pois foi ela quem idealizou as apresentações das escolas com alas coreografadas. Essa novidade trouxe notoriedade pública e Mercedes ainda coreografou para cinema, televisão e teatro.

Ministrou diversos cursos fora do Brasil - Nova York e Califórnia. Influenciou a dança em outros países, mais também teve consistência e prestígio para introduzir na Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro a disciplina dança afro-brasileira.

No ano de 2005 recebeu uma homenagem através da exposição “Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança”, com curadoria de Paulo Melgaço e Jandira Lima. Em 2006 é lançado um documentário sobre sua trajetória, intitulado, Balé de Pé no Chão - A dança afro de Mercedes Baptista (que disponibilizo aqui) dirigido por Lílian Sola Santiago e Marianna Monteiro. E em desdobramento a exposição, foi lançado em 2007 o livro Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança, de autoria de Paulo Melgaço, publicado pela Fundação Cultural Palmares.

Também recebeu, em 2008 homenagem da G.R.E.S Acadêmicos do Cubango (grupo de acesso das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), sendo o tema do enredo, considerado um dos sambas mais bonitos daquele ano. No ano seguinte a G.R.E.S Vila Isabel, escolheu por tema o centenário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e por ser Mercedes Baptista uma figura emblemática da dança nacional e referência obrigatória no Teatro recebeu merecida homenagem.

Hoje aos 90 anos, é aposentada pelo Teatro Municipal, não leciona mais, e vive no Rio de Janeiro.

Além de ter sido uma excelente bailarina, seu principal legado é a valorização das culturas de matrizes africanas e a introdução de elementos da dança afro à dança moderna brasileira, e, sobretudo um exemplo de superação para os negros.


Axé!



Um comentário:

  1. Meninas, que lindo trabalho vocês estão fazendo!
    Fico imensamente feliz em saber que vocês estão resgatando a história de Dona Mercedes. Tive o prazer de fazer aulas com ela nos anos 80. Sem dúvida alguma ela é a Mãe da Dança Afro na região sudeste!
    Bjks
    Yaskara Manzini

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